NOTÍCIAS
Circular Três Corações 2016
2ª Exposição do Fila Brasileiro CAFIB – Três Corações (MG)
O grande estado de Minas Gerais, ao lado de sua reconhecida importância econômica, cultural, política e folclórica no cenário brasileiro, precisa ser igualmente reverenciado por sua contribuição zootécnica. Além da riqueza de suas jazidas de ouro e diamantes, do talento de seus artistas barrocos e da fibra de seus inconfidentes (celebrizados por curiosos apelidos, como “Aleijadinho” e “Tiradentes”) e das histórias lendárias, como a da ex-escrava Chica da Silva (que vivia como rainha e exercia seu poder com tirania), o chão mineiro também foi berço de algumas das mais importantes raças nacionais de animais domésticos. E o apego desse povo às suas antigas tradições - que preservou preciosas manifestações musicais, arquitetônicas e culinárias, como a Folia de Reis, a dança do catira, as igrejas históricas, as esculturas em pedra sabão, o angu e a canjica - também resultou na conservação daqueles plantéis seculares de bois, cavalos e cães.
Os bovinos da raça Caracu, criados para tripla aptidão (carne, leite e trabalho), têm origem imprecisa, decorrente de diversos cruzamentos desordenados, realizados ao longo dos séculos, e burilada pela seleção natural. De ascendência ibérica, esse gado está presente no Brasil há mais de 400 anos, desde o período colonial, e é de se supor que sua formação tenha recebido forte influência das raças Minhota e Alentejana, de tronco aquitânico. Com estrutura corpulenta, boa aptidão para produzir leite com alto teor de sólidos (principalmente gordura) e notável eficiência reprodutiva em monta natural, a raça foi extremamente popular nas primeiras décadas do século XX. Mas, ao longo do tempo, a gradual substituição dos arados e charruas por tratores modernos, combinada com a valorização dos bovinos portadores de conformação mais adequada à produção de carne e, ainda, a expressiva importação de gado zebu da Índia a partir dos anos 1960, foram gravemente comprometendo a sobrevivência daquele plantel. A Associação Herdbook Caracu, criada em 1916, acabou sendo encerrada em 1965 e, logo em seguida, houve a paralisação dos trabalhos de melhoramento genético que, há anos, vinham sendo conduzidos, pelo governo paulista, no rebanho da antiga Fazenda de Seleção do Gado Nacional, em Nova Odessa. Naquela época, as notícias da imprensa chegaram a anunciar oficialmente o fim da raça, mas, graças à teimosia de alguns poucos criadores, principalmente em São Paulo e Minas Gerais, que continuaram a manter seus antigos plantéis, e à retomada desse trabalho por alguns órgãos de pesquisa, como o antigo Instituto de Zootecnia (em sua estação experimental de Sertãozinho), o Caracu acabou escapando da extinção. Seu resgate foi impulsionado nos anos 1980 pela fundação, no Paraná, de uma nova entidade, denominada Associação Brasileira dos Criadores de Caracu, seguida pela consequente abertura de outro Livro de Registros e pelo reconhecimento oficial do Ministério da Agricultura. E, em Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, a criteriosa seleção da raça, iniciada em 1893, na Fazenda Chiqueirão, pela família Carvalho Dias, para a produção de carne e, principalmente, de leite, controlada por minuciosas anotações zootécnicas, continua sendo mantida até hoje por seus descendentes.
Os equinos da raça Mangalarga Marchador (também informalmente chamada de Mangalarga Mineiro) têm sua origem na mesma região e descendem de antigas linhagens ibéricas, como a Garrana e a Sorraia, fortemente influenciadas por sangue Bérbere além de, provavelmente, terem sido burilados por pitadas de Andaluz (Lusitano) e de alguns cavalos trazidos da Coudelaria Alter Real, em Portugal. A formação do plantel brasileiro tem como berço oficial a Fazenda Campo Alegre, em Baependi, no sul de Minas, e, como “Pai da Raça”, seu proprietário Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas (1782-1869). Ele era o caçula dos doze filhos de um português chamado João Francisco, que, como era praxe naqueles tempos, tinha agregado a seu nome o da aldeia em que nascera, São Simão da Junqueira. Chegando ao Brasil, na então chamada Capitania das Minas Gerais, aquele patriarca fez fortuna e veio a possuir uma enorme gleba de terras, que somava cerca de 30 mil alqueires.
E os cães da raça Fila Brasileiro, sobre cuja nebulosa formação tanto se tem escrito, também têm como principal celeiro o sul de Minas Gerais. O já comentado apreço dos mineiros por suas raízes acabou preservando as antigas fazendas da região, com seus históricos casarões, seus nostálgicos carros de boi e seus tradicionais cães de guarda. Como é sobejamente sabido, foi da cidade de Varginha que o pioneiro Paulo Santos Cruz trouxe os primeiros exemplares, que iriam constituir o embrião do célebre Canil Parnapuan e da primeira raça canina brasileira a ser oficializada mundialmente.
É sempre importante ressaltar alguns aspectos sobre as combinações de cruzamentos que resultaram na formação das chamadas raças crioulas de animais domésticos. Primeiramente, vale lembrar que nunca existiram receitas especificando as dosagens e formulações dos ingredientes utilizados naqueles cruzamentos que, muitas vezes, também eram ditados pelo acaso. Depois, é preciso considerar que algumas das raças e linhagens antigas, que atuaram nesse processo, não existem mais e que outras, embora tivessem sido mantidas com os mesmos nomes originais, na verdade passaram por tantas transformações que os exemplares de hoje não se parecem mais com seus ancestrais. E, também, que os critérios de acasalamentos, assim como de seleção ou descarte dos produtos nascidos ao longo das gerações, nunca foram documentados e, muitas vezes, sequer planejados.
Quando se fala da preservação do patrimônio genético de nossos animais domésticos, há que se louvar a atuação da Embrapa, que mantém, na região de Brasília (DF), seu Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), onde, em parceria com universidades e outras instituições de pesquisa, conduz um precioso trabalho de preservação dessas antigas linhagens brasileiras em risco de sofrer a tragédia irreversível da extinção. A maior parte desse acervo – que por razões óbvias foi apelidado de “Arca de Noé” – é formada por grande variedade de raças bovinas, mas também inclui germoplasma de bubalinos, equinos, asininos, ovinos, caprinos e suínos, sempre procurando manter a máxima diversidade e variabilidade genética de cada espécie. Essas linhagens são muito antigas e, embora a maioria já não seja mais criada comercialmente porque elas não podem competir em produtividade com as raças aprimoradas pela moderna seleção zootécnica, a Embrapa considera que sua manutenção não constitui mero saudosismo romântico e que elas representam um verdadeiro “tesouro genético”. Isso, justamente porque suas características foram sendo adquiridas e moldadas em decorrência da seleção natural ao longo dos séculos e, também, porque a possibilidade de continuar a ter acesso a elas é estrategicamente importante em caso de necessidades imprevistas no futuro. É que os integrantes desse rebanho são portadores de atributos hereditários de grande resistência à incidência de doenças e à infestação de parasitos, além de também serem capazes de sobreviver, produzir e reproduzir em condições precárias de alimentação. E, principalmente, porque esse demorado processo de formação, resultando em perfeita adaptabilidade aos diversos ecossistemas brasileiros, é impossível de ser recriado artificialmente em laboratório. Essas importantes características genéticas podem, com os modernos avanços da biotecnologia, ser transferidas para as raças comerciais mais produtivas.
Permito-me continuar a fugir do assunto inicial e, como curiosidade, citar o exemplo do porco denominado “fenótipo Casco de Mula”, mantido no Cenargen. Os suínos pertencem à grande classe dos Mamíferos e à subclasse dos Ungulados, que são os animais que têm os dedos revestidos por cascos córneos e, dentre estes, integram a ordem dos Artiodáctilos – os que têm número par de dedos funcionais, que também inclui os bovinos, as girafas e os camelos. Já os Perissodáctilos apresentam número ímpar de dedos, como os cavalos e burros (um dedo) e os rinocerontes e antas (três dedos). A curiosidade é que os bois e porcos, que, no linguajar popular têm o “casco fendido”, são vulneráveis à febre aftosa, doença que, por causar graves prejuízos econômicos, levou à criação das numerosas campanhas de vacinação dos rebanhos, regulamentadas por calendários oficiais em todo o Brasil. No entanto, os raros suínos que, no lugar de cascos fendidos (como seus congêneres e como os bovinos), têm um único dedo (como os equinos e muares), apresentam, também, imunidade à aftosa, levando à suposição que o gene responsável pela perissodactilia esteja em uma região cromossômica próxima à do que determina a resistência ao vírus daquela doença. O portador dessa característica é chamado de fenótipo Casco de Mula porque ela pode surgir em qualquer raça de porcos. É possível, por exemplo, um Duroc Casco de Mula, ou um Landrace Casco de Mula.
Voltando aos cães e ao Sul de Minas, torno a ressaltar o intenso sentimento de respeito experimentado pelo CAFIB - Clube de Aprimoramento do Fila Brasileiro em todas as vezes que volta a pisar esse solo histórico para a raça, que tem hoje, como um de seus principais pólos de divulgação e melhoramento genético a cidade de Três Corações. Desmembrado do município de Campanha no século XIX, o antigo distrito de Três Corações do Rio Verde tem várias versões para justificar seu nome. A primeira explica que ele foi inspirado nas curvas sinuosas, que a Natureza, caprichosamente traçou em formato de coração, ao longo do curso do Rio Verde, que corta a cidade. A segunda remonta ao intenso amor, não correspondido, de três cidadãs locais, Jacira, Juçara e Moema, por três boiadeiros goianos. E a terceira diz que, ainda no século XVIII, um garimpeiro português, tornado muito rico pelo ouro encontrado na região, mandou erigir, em sua Fazenda Rio Verde, uma capela em louvor aos Santíssimos Corações de Jesus, Maria e José, depois transformada em Paróquia dos Três Santíssimos Corações.
E esse município, no dia 27 de agosto de 2016, sediou a 2ª Exposição do Fila Brasileiro do CAFIB, organizada novamente por Francisco Carlos Gonzaga Reis, mais conhecido como Chico da Venda, auxiliado por seus filhos Francisco Jr. e Matheus, e por Pedro Yuri Ramos Avelar da Silva. O evento contou, mais uma vez, com a colaboração de Marcus Flávio Vilas Boas Moreira, que além de criador de Filas e juiz do CAFIB, também dá sequência à tradição familiar de selecionar o gado Caracu. Na véspera, dia 26, o juiz especializado na raça Fila Brasileiro e diretor do CAFIB, Jonas Tadeu Iacovantuono, proferiu uma palestra, sobre a criação desses cães e a atuação do clube, na residência do Chico da Venda, que, com sua família, fez honra às tradições de calorosa hospitalidade e deliciosa gastronomia que caracterizam os mineiros. Esse importante momento de confraternização, que reuniu mais de 30 participantes - com debates e conversas sobre as origens, características raciais e aptidões funcionais do Fila Brasileiro e a história e a atuação do CAFIB -, foi iniciado às 19:00 horas e se estendeu até depois da meia-noite, atestando o interesse dos cinófilos pela raça que permanece entre a dos melhores cães de guarda do mundo. E no dia seguinte, sábado, dia 27, a Análise de Fenótipo e Temperamento, seguida pela Exposição, foi realizada, mais uma vez, na Venda do Chico, situada no km 743 da Rodovia Fernão Dias (BR-116). É bom lembrar que esta, que hoje constitui uma vasta rede de lojas, restaurantes, haras e canil, foi iniciada como um pequeno empório que vendia alguns artigos simples para trabalhadores rurais. E que este local, atualmente frequentado por conhecidas personalidades do meio artístico e esportivo -, além de comercializar peças de artesanato regional e ter se consagrado pela excelente culinária típica mineira, cujo cardápio inclui pratos salgados e doces, lanches, petiscos, sucos e cachaças artesanais -, também se tornou palco tradicional de almoços de confraternização promovidos pelas mais variadas entidades. É ali que o “GVFP - Gasolina na Veia e Ferrugem na Pele” e a “AMA - Associação Mineira de Antigomobilismo” promovem seu “Grande Encontro de Carros Antigos”; e que diversos criadores de animais realizam seus leilões, exposições e competições, como a Mostra de Mini-Pôneis e Mini-Vacas, a Feira de Cavalos Mangalarga Marchador e a Copa de Marcha do Cavalo Mangalarga Marchador.
Nesta 2ª Análise de Fenótipo e Temperamento do CAFIB em Três Corações, foi estabelecida a marca histórica de 100% de aprovações em 22 exemplares inscritos, feito que merece algumas considerações. Tomando como ponto pacífico que o rigor nos critérios de avaliação não foi abrandado, as conclusões são que a qualidade do plantel tem melhorado muito e que os criadores e expositores estão bem mais conscientes do Padrão da Raça e aplicando com mais severidade os critérios de seleção. Não há como esquecer a surpreendente heterogeneidade dos exemplares apresentados nesses eventos no passado. Alguns chegavam a não apresentar qualquer traço de Fila e eram meros “vira-latas”, termo que, hoje, talvez devesse ser substituído por “rasga-sacos”, já que os criadores mais novos talvez nunca tenham visto as tradicionais e anti-higiênicas latas de lixo, que ficavam dispostas ao lado dos portões e, depois de esvaziadas nos caminhões de coleta, eram devolvidas ao lugar.
Após a Análise, foi realizada a 2ª Exposição do Fila Brasileiro do CAFIB em Três Corações, com a inscrição de 48 exemplares e a participação de criadores, expositores, técnicos e colaboradores vindos de diversas cidades mineiras (Baependi, Barroso, Belo Horizonte, Carmo de Minas, Itanhandu, Lavras, Nepomuceno, Patrocínio, Perdões, Três Corações e Varginha), paulistas (Aparecida, Carapicuíba, Guaratinguetá, Jacareí, Mogi das Cruzes, Monte Mor e Porto Ferreira) e gaúcha (Porto Alegre).
Além dos já citados juízes do CAFIB Marcus Flávio Vilas Boas Moreira e Jonas Tadeu Iacovantuono, também estiveram presentes, e atuaram na Análise, os juízes Fabiano Nunes e Giovani Éder de Carvalho, enquanto, na Exposição, os julgamentos ficaram a cargo de Paulo Augusto Monteiro de Moura, responsável pelas classes de fêmeas, e Pedro Carlos Borotti, que avaliou os machos. A secretaria foi comandada por Jonas Tadeu Iacovantuono, que contou com o apoio de Fabiano Nunes, enquanto o criador e expositor Flávio Pires atuou como cobaia nas provas de ataque, tendo sido auxiliado na disputa para a escolha do Melhor Temperamento da Exposição também por Fabiano Nunes.
Os juízes Paulo Augusto e Pedro Carlos entregando a taça ofertada pelo criador gaucho Raul Peixoto ao criador e organizador Chico da Venda
O resultado das principais categorias na 2ª Exposição do Fila Brasileiro CAFIB de Três Corações, MG foi o seguinte:
- Melhor Macho: Kratos do Itanhandu, de Brenda e Rodrigo Queiroz (Patrocínio, MG)
- Melhor Fêmea: Xauana Guardiões do Caracu, de Marcus Flávio Vilas Boas Moreira (Belo Horizonte, MG)
- Melhor Temperamento: Faruk da Venda do Chico, de Chico da Venda (Três Corações, MG)
- Melhor Cabeça: Sultão Recanto do Livramento, de Felício Branco Unello (Mogi das Cruzes, SP)
O resultado geral da 2ª Exposição do Fila Brasileiro do CAFIB em Três Corações será publicado por nossa Diretoria de Divulgação, no site: www.cafibbrasil.com